Cogeração de energia com resíduos de madeira
Temos visto e ouvido constantemente nas notícias veiculadas pela mídia o aumento das tarifas de energia em praticamente todas as concessionárias do Brasil. Este efeito de variação de preço é oriundo da falta de chuvas, e como nossa matriz de energia elétrica ainda é altamente embasada em usinas hidrelétricas, períodos de estiagem como o que estamos vivendo atualmente são sinônimo de aumento de custos na fatura de energia elétrica, pelo fato de que na ausência de chuva, para garantir a segurança energética e o nível dos reservatórios em patamares seguros, são ligadas as usinas térmicas movidas a óleo, carvão e/ou outros combustíveis fósseis, não renováveis que custam muito mais caro por unidade de energia gerada.
Em alguns momentos ouvi discussões argumentando que isto não poderia acontecer, em função do privilégio que temos com altas taxas de insolação (horas por dia, área de incidência e tempo ensolarado no ano todo), e muito vento. Pois bem, apesar de sermos agraciados pela natureza com estas questões, infelizmente a expansão da energia solar fotovoltaica e a energia eólica ainda não é suficiente para manter o equilíbrio de toda a cadeia de geração e consumo elétrico do país. Tomara que em um futuro breve, tenhamos um cenário diferente e pelo visto estamos caminhando bem neste sentido.
Este artigo de hoje porém, tem o interesse de mostrar um potencial existente e desperdiçado em muitos lugares pelo Brasil afora: o mercado de cultivo de florestas para a produção de madeira para os setores de construção, movelaria, dentre outros. Uma característica deste setor em específico é a alta geração de resíduos de serraria em grande volume e com alto poder calorífico. Lembrando que quando me refiro a potencial desperdiçado, o faço pelo fato de que em muitos lugares o pó se serraria e cavacos são apenas “resíduos” e consequentemente geram um passivo ambiental para a disposição adequada. Como também conhecemos a baixa eficiência em controle ambiental no Brasil, podemos concluir que esta disposição não raramente não é feita da maneira adequada e desta forma além de termos problemas ambientais, ainda desperdiçamos uma excelente fonte energética para a geração termelétrica.
Para que o público de forma geral possa entender o que desejo ilustrar com este texto, analisando a cadeia energética de ponta a ponta do mercado de madeira, temos três principais consumos energéticos: primeiramente óleo diesel para as atividades de plantio, colheita, transporte das toras e acreditem, também gasta-se óleo diesel para dispor os resíduos das serrarias, muitas vezes em distâncias superiores as da floresta e madeireira. Em segundo lugar, estas indústrias consomem energia elétrica para a operação de suas máquinas, iluminação e refrigeração como toda e qualquer indústria. Em terceiro lugar, em algumas destas indústrias há o consumo de calor para estufas de secagem de madeira. Normalmente este calor é gerado com caldeiras de baixíssima eficiência gerando vapor com a queima de parte dos resíduos que devem ser descartados. Isto é uma maneira de diminuir um pouco o transtorno com os resíduos utilizando-os na como combustível na própria indústria.
O que gostaria de ressaltar aos leitores, é que está exatamente aí o desperdício!! As empresas “incineram” parte de seus resíduos para gerar vapor a baixa pressão, em caldeiras ineficientes (na teoria não precisam ser eficientes, pois tratam o pó de serraria e cavacos como resíduos e não como combustível), para a geração do calor que precisam. Além disto, normalmente compram a energia elétrica para processar a madeira (que gera resíduos em um processo contínuo) e além disto depois, gastam óleo diesel para dispor o restante dos resíduos que foram gerados no processamento da madeira, também em processo contínuo.
Desta forma se deixarem de olhar os derivados de sua atividade como resíduos e mudarem o ponto de vista para combustível, diga-se de passagem de ótima qualidade, e pensarem que sua atividade contínua gera combustível continuamente, podem ser donos de sua própria geração termelétrica, no mínimo para suprir as suas próprias necessidades energéticas (elétrica e térmica), não estando mais reféns das condições de mercado como citado nos primeiros parágrafos deste texto.
O que recomendamos é a utilização deste combustível gerado ao longo do processo de manuseio da madeira em um processo de cogeração de energia, ou seja, geração de energia térmica e elétrica à partir de uma única fonte primária de combustível. E a pergunta que não quer calar: Como gerar toda esta energia com estes “resíduos”? A resposta é simples. Basta a instalação de um ciclo Rankine (nomenclatura extraída das teorias de termodinâmica), que na realidade trata-se de um conjunto de geração composto por uma caldeira, turbina de condensação com extração controlada e um gerador elétrico.
Existem muitas empresas com capacidade para gerar não só a sua energia, mas como também com possibilidade de vender excedentes de energia por ter mais capacidade de geração do que consumo. É exatamente a mesma situação que é muito difundida hoje sobre a energia solar, porém não tem a mesma divulgação e tão pouco o entendimento da população. Diferentemente da energia solar onde a energia é convertida e exportada para a rede somente durante o dia pela obviedade das questões solares, a geração de energia à partir de biomassa nas madeireiras pode ser feita durante as 24 h do dia, pois normalmente as empresas que tem escala para tal processo rodam em três turbos de trabalho. Esta é mais uma vantagem deste tipo de geração em nossa matriz elétrica, pois um empreendimento deste pode fornecer energia em todos os horários do dia, inclusive nos horários de ponta.
Um exemplo de mudança: Determinada empresa possui hoje uma operação para levar seus resíduos a uma região distante mais a mais de 50 km de sua sede e possui um contrato de compra de energia elétrica com uma das concessionárias no mercado cativo. Além disto, esta mesma empresa “incinera” parte de seus resíduos tratados como passivo ambiental, para geração de vapor em uma caldeira de baixa eficiência, fornecendo calor para estufas dotadas de radiadores que aquecem o ar para secagem da madeira. Em resumo, esta empresa gasta com energia elétrica para dispor o restante de seus resíduos juntamente com a sua conta de energia elétrica para suprir a sua operação. Além disto, já possui uma equipe (custo de M.O.) para operar a caldeira de baixa eficiência. O que seria a mudança? A implantação de uma caldeira de melhor eficiência que convertesse em sua totalidade os resíduos hoje já queimados e mais todos os que ainda não são utilizados e ainda precisam ser dispostos. O calor gerado por esta queima é suficiente para a geração de vapor necessária nas estufas, porém agora, antes do vapor ir até os radiadores das estufas, o vapor passará por uma turbina a vapor que primeiro gerará energia elétrica suficiente para tocar toda a fábrica e ainda vender um excedente. Veja os gráficos abaixo mostrando as duas situações:
Para as empresas que possuem esta oportunidade nas mãos, talvez seja a hora de rever os seus conceitos internos e procurar o trabalho de especialistas nesta área para avaliar qual a sua capacidade de geração, seu consumo e suas possibilidades de implantar um sistema como este com sucesso. Apesar de ser um processo largamente conhecido, não deve ser feito de forma amadora, sob pena de graves prejuízos ou perda de segurança operacional das empresas.
É de extrema importância avaliar todo o sistema elétrico da planta, a conexão na rede de energia, e também fazer um estudo pensando nas possibilidades de ampliações futuras da indústria. Por fim, vale um esclarecimento importante: Não existe projeto padrão para sistemas de cogeração. Cada um deve ser estudado individualmente e ter cada uma de suas particularidades analisadas. Faça isto sempre com uma equipe profissional especializada.
Sobre o Autor: Carlos Eduardo Oliveira
Engenheiro Mecânico - Diretor da Renova Consultoria e Consultor especializado em energia renovável e eficiência energética